A imprensa não me representa
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A imprensa não me representa



A democracia pressupõe alguns pontos essenciais. Além do voto universal, da estabilidade das instituições e das garantias constitucionais, o direito à livre e verdadeira informação também faz parte da trama estrutural que permite a existência de uma nação democrática.

O papel da imprensa em uma sociedade democrática reside não apenas na difusão de informações e análise de fatos e conjunturas, mas também na escolha das informações, da sua relevância e, principalmente, da honestidade destas abordagens.

Pegando carona nesta campanha movida contra o deputado Marco Feliciano, onde um grupo de ?ilustres? e ?celebridades? tenta desqualificar todo aquele que discorda de seus ideais políticos e culturais, aproveito para analisar a representatividade da própria imprensa, envolvida até a medula nesta campanha.

Representatividade
A grande imprensa brasileira é composta por algumas dezenas de jornais, revistas, portais e emissoras de rádio e TV. Muitos destes órgãos pertencem aos mesmos grupos, o que reduz ainda mais este universo.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) informa que em 2010 existiam cerca de 90.000 jornalistas no Brasil. Considerando que boa parte destes profissionais não trabalha na área, outra parte exerce suas funções na imprensa alternativa e outros tantos se ocupam nas assessorias de imprensa, agências de propaganda e imprensa segmentada, o número de pessoas envolvidas na seleção, edição e divulgação de notícias na chamada grande imprensa deve ser apenas uma fração deste número já demasiado pequeno.

A audiência é outro dado importante: com exceção da TV, os principais órgãos de imprensa não atingem 10% dos 193.946.886 habitantes estimados pelo IBGE. Nem mesmo quando somados.

Se esta representatividade já parece frágil apenas pelos números de emissores e receptores, o que dizer da sintonia, ou falta dela, entre os anseios da população e da imprensa?

Questões centrais da vida social como pena de morte, armamento, aborto, ?casamento? gay e maioridade penal, por exemplo, evidenciam a oposição entre a vontade do povo e os desejos dos falantes. Esta diferença, no entanto, parece não existir para a imprensa, pois os ilustres emitem suas opiniões como se estas fossem majoritárias e estivessem amparadas pela maioria da população, o que quase sempre não é verdade. O plebiscito do desarmamento que o diga.

Esta disparidade entre a opinião da imprensa e a vontade da população, por si só, deveria levantar dúvidas sobre esta autoproclamada representatividade.

Homogeneidade
Certa vez um diretor da Reuters ou da BBC, não estou bem certo, afirmou que uma redação recebe cerca de 1500 notícias diariamente. Como o espaço disponível em uma edição impressa ou eletrônica é limitado, apenas 50 ou 60 delas ganham o destaque devido.

Diante da heterogeneidade das opiniões humanas, como é possível que neste mar de notícias exatamente as mesmas sejam destacadas pelas mais variadas empresas? Como não acredito que esta unanimidade seja apenas uma coincidência, no meu entender ela comprova interesses políticos muito bem determinados e ideologicamente alinhados.

Parcialidade
É óbvio que nenhuma abordagem da imprensa é isenta de parcialidade. Toda análise é feita por seres humanos e, portanto está sujeita a opiniões, desejos e crenças, que são elementos constitutivos inerentes à natureza humana.

Acontece que a imprensa, cada vez mais, esquece sua função de informar e sobrepõe a esta as suas ideologias, misturando fatos com análises e transformando informação em ação política. Este blog é uma manifestação da minha visão sobre os fatos, mas ninguém pode me acusar de ser ambíguo quanto aos objetivos deste espaço e menos ainda de formatar os fatos para que possam se encaixar nas minhas análises, coisa que a imprensa vem fazendo com uma freqüência cada vez maior. Fatos são fatos. Análises, crenças e opiniões são outros quinhentos. Mas para a grande imprensa é tudo a mesma coisa.

Quem ainda acredita em ?pesquisas de opinião??
A começar pelo método, que no meu entender não capta a verdadeiras intenções da população, tendo em vista a limitação e o pequeno alcance das entrevistas, passando pela escolha sempre arbitrária dos entrevistados, não acredito na eficácia das pesquisas de opinião.

Para aumentar a descrença é importante frisar o histórico recheado de erros gigantescos e o visível alinhamento ideológico, político e partidário de grande parte dos responsáveis pelas pesquisas.

O PIG não existe!
Tudo o eu escrevi acima demonstra minha desconfiança sobre a capacidade e a honestidade da imprensa. Existe um grupo de jornalistas, blogueiros e opinadores que comunga desta minha desconfiança, mas pelos motivos opostos. No meu entender, estão ?enganados? e sabem disso, tanto que muitos deles pregam a censura disfarçada por outros nomes.

Um grupo de sites e blogs, que eu chamo de B.I.F.E, ou Blogs "Independentes" Financiados pelo Estado, criou a sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista) para se referir a parte da imprensa, segundo eles empenhada em fazer oposição partidária aos governos que eles chamam de ?progressistas?.

A inexistência desse sentimento oposicionista na grande imprensa é comprovada pela pauta, pela presença maciça de anúncios de governo e das estatais, pela total convergência de opiniões entre jornalistas e governantes, e também pelo fato de que as poucas denúncias se restringem a atos de corrupção e, mesmo assim, muito aliviadas e superficiais.

Não é possível encontrar na grande imprensa brasileira, com raríssimas exceções, ataques de conteúdo e profundidade aos projetos políticos e culturais defendidos pelos governantes.

Duas sugestões e uma conclusão
Sei que não tenho a fórmula mágica para resolver os problemas que estão destruindo um dos pilares da democracia, mas mesmo assim gostaria de sugerir dois temas para alimentar o debate sobre o papel da imprensa na liberdade de informação.

Minha primeira sugestão é acabar com toda e qualquer forma de publicidade governamental. Sem o dinheiro de prefeituras, governos estaduais e federais e também das empresas estatais, a imprensa será um pouco mais livre de fazer política e restará mais tempo para informar e mais credibilidade na informação. Sei que os membros do B.I.F.E. não vão gostar muito desta idéia, nem os governantes que utilizam a propaganda como moeda para a compra de consciências. Também sei que esta atitude não fará milagres sem uma conscientização popular, mas acredito que só esta ação já seria um grande avanço no sentido de moralizar e libertar a comunicação.

Outra sugestão, um tanto paralela, mas que vai colaborar com a anterior é insistir na participação popular. Sou favorável a plebiscitos, referendos e consultas para definir toda e qualquer proposta de fundo moral que venha a afetar os costumes enraizados na sociedade. Será que o povo concorda com todo dinheiro gasto em propaganda governamental?

Ao contrário de muitos ?democratas? que cochicham pelos cantos que ?a população não está apta a decidir?, defendo o direito de a maioria decidir temas relacionados aos costumes, mesmo quando desconfio que sairei perdendo.

Concluindo, o zeitgeist é sombrio! E boa parte da culpa por este estado de coisas reside na pobreza intelectual e ética da nossa imprensa que, pelos motivos relacionados acima, não me representa e não representa a maioria da população. Talvez eu escreva mais sobre isso em uma próxima postagem.

Dica de leitura: A espiral do silêncio - Elisabeth Noelle-Neumann.

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